terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Debaixo do verniz

Tudo que parece fora do normal nos parece estranho.
Pelo meu perfil e estilo de vida as pessoas não entendem como não tenho namorado, parece uma questão matemática em aberto, que precisa ser resolvida com urgência.

Depois que me perguntam se tenho namorado e escutam minha negativa, abrem o sorriso e dizem ''mas namorada tem né''.

Não, nem namorado nem namorada.

Mas como assim? Você é jovem, bonita, por que não tem um amor?

Ah, amores tenho muitos, platônicos, é verdade, mas são amores.

Muitas coisas mudaram sem que eu percebesse e acabei gostando de alguns resultados.

Me afastei de relacionamentos depois de passar três anos em um namoro abusivo, quando consegui me libertar comecei a perceber tudo que estava errado, fora do lugar e sem querer, não planejei nada, me fechei em copas, disposta a me curar dos abusos e superar as questões envolvidas.

Levei tempo para começar a perceber que minha alegria ao estar solteira e sem pensar em ninguém estava ligada ao fato de pela primeira vez na vida ser ''eu'', coisa que nunca me foi permitida ser.

Eu fui educada para ser o que os outros queriam que fosse, não importava o que eu escolhesse fazer na vida, desde que fosse meiga e educada.
Mas isso me tirava margem de manobra para saber quem eu era, meus primos tinham permitido dizer o que pensavam e explodir a hora que quisessem, eu não.

E quando entrei no círculo de namoros levei toda essa limitação comigo, não me perguntava quem eu realmente era, debaixo desse verniz sufocante de garota bem educada.

E amores, pelo menos para as mulheres, nos sufocam e apertam, impedem qualquer tentativa de mudança. Quem pode ser o que é em um namoro? A pessoa não se conhece ainda e fica presa ali, a uma ideia do que deveria ser.

Não prego as belezas da vida de solteira, porque são escolhas pessoais, mas nunca tive espaço para saber quem eu era, intoxicada para agradar homem, desesperada para ser aceita, eu não sabia quem era, não conhecia meus limites e todas as vezes que tentava sair da linha escutava ''deixa de ser louca''.

Mesmo assim,  fazendo tudo o que me mandaram fazer, não escapei de rótulos, até hoje dizem que sou louca, impulsiva, maluca, descontrolada.

Percebi como nós, mulheres, somos impedidas desde que nascemos de nos mover, de nos conhecer, tudo fecha em nossa direção, nenhuma menina é incentivada a se conhecer primeiro, a saber quem é, para depois pensar em como se relacionar com o mundo. Isso acontece até com nosso corpo, ninguém diz a mulher como é vital se conhecer.

Tem sido uma luta árdua tirar todo o verniz que me jogaram, saber quem eu sou debaixo desse falso brilho, do que gosto, o que me faz feliz, o que posso acrescentar ao mundo e em um relacionamento.

Eu sabia tudo o que os outros queriam e gostavam, mas não tinha a menor ideia do que me fazia feliz, o que me agradava.

Ser solteira me permitiu caminhar nessa estrada pensando nisso, não é questão de ter um namorado ou não, mas se perguntar quem é, o que quer, para onde vai.

Mulheres têm seu caminho pré-determinado em um mundo machista e misógino, sair dessa linha é certeza de que vai ser punida.

Não descarto amores, paixões, nem a vida que se desenha, mas não tenho mais condições de me ficar debaixo de um verniz, fingindo ser o que não sou.

No ano passado um Romeu me disse ''você é confusa''.
Fiquei muito chateada, mas ele tinha razão, naquele momento eu ainda estava confusa, perdida entre quem eu sou e quem deveria ser. Até hoje me controlo porque quando gosto de alguém não sei agir de maneira natural, carrego ainda a tatuagem comportamental de ''faça tal coisa, jamais faça isso'', ainda me sinto intimidada no começo dos relacionamentos e levo tempo para perceber meus erros de comportamento e recuar, voltar ao meu eixo, a quem eu sou, sem medo de Romeu não gostar.

Essa parte melhorou muito, depois que a gente começa a se conhecer perde o medo do outro não gostar, claro que dói ser rejeitada, mas com o  tempo percebemos que ser quem não somos dói mais.

Quem me vê se pergunta porque não tenho namorado, quem me conhece sabe que estou desfrutando o máximo que posso essa etapa de ter espaço para saber quem sou, em um mundo limitado considero isso um luxo, que foi negado durante séculos as mulheres.

Agradar homem é fácil, ser o que o mundo quer é simples, o difícil é bater o pé e dizer ''licença, vou ali saber quem sou e depois eu volto''.

Mas no fim da história não somos o que o mundo quer, nem o que os machos gostam, somos nós, essas desconhecidas que não sabem quem são, essas perdidas que morrem de angústia, sufocadas por todas as exigências. E o pior é que não vale a pena.

Parte da nossa viagem, o motivo de desembarcar neste planeta maluco é desenvolver o autoconhecimento, quando somos impedidas de fazer isso, surtamos.

Não é sobre Romeus, amores, namoros, casamentos, paixões, é sobre saber quem somos, encarar essa estrada longa e complexa, dar prioridade a nossa vida, não a alheia, é sobre cada uma se conhecer, é sobre individualidade e o exercício da liberdade. É sobre ser, sem verniz.





Iara De Dupont

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