terça-feira, 12 de julho de 2016

Reciclando o amor


Me parece absolutamente normal tanta confusão diante da crise que se vive no planeta, a mudança de paradigmas e a quebra de valores.
Eu seria a última pessoa a dizer alguma coisa ruim, eu mesma não entendo nada destes tempos modernos, mas ainda me aferro a uma ideia, mesmo que romântica, parece que parte de mim ficou no século XVIII e não consegue entender tudo o que está acontecendo no planeta.

Conversando com umas conhecidas mais jovens, escutei elas dizerem várias vezes  ''ah, fulano não é amor sustentável''. Perguntei o que era ''amor sustentável'' e uma me disse:

-É quando uma pessoa é legal, você gosta, mas não quer namorar, então você ''recicla'' e deixa na apenas na amizade. 

Entendi.

E a moça continuou:

-Homens recicláveis são ótimos, ficam na mesma turma, namoram várias, mas eu ainda estou na idade de outro ciclo, o de consumo e descarte!

Mas esse seria o ciclo de vida de um produto, o conceito, a manufatura, consumo, descarte, reciclagem e reuso.

-É isso mesmo! Homem é produto não é?

Não, fazendo isso vocês estão apenas repetindo a ideia equivocada do machismo que mulheres são propriedades e tem dono. Seres humanos não são coisas, nem brinquedos, não são produtos descartáveis.

-Mas pelo menos reciclamos o discurso! Não são mais usados, são consumidos e não levam pé na bunda, são descartados. E não vai dizer que nunca se sentiu usada por nenhum homem....

Sim, mas não a ponto de nortear minha vida emocional pensando em homem como se fosse um produto e seu ciclo de vida.

-Eles gostam! Tenta tratar bem pra ver o que te acontece!

É, já passei mais de trinta anos escutando essa lenda urbana, homens que são bem tratados jogam fora a mulher, mas se ela for uma maldita o amor dele será eterno.

-Não é lenda, mas agora o discurso é mais  ''green'', todos nos consumimos e nos descartamos.

E vocês conseguem fazer isso emocionalmente?

-Dá sim! A gente faz todos os meses com algum objeto, não dá para ter apego a nada, vamos ter apego a homem?

É, acho que não dá, ainda não sei. Quando era adolescente eu tinha uma bolsa pequena para meus cosméticos, grudei adesivos, coloquei meu nome. Carreguei por anos, se estivesse em algum ensaio mesmo sem ver meu nome todos sabiam que era minha. Hoje vejo pessoas mudando de celulares em menos de três meses, não se apegam, não deixam seu registro ali, nada, é como se o objeto tivesse sido um copo de água.

-Ninguém morre por isso! É melhor trocar mesmo. Tenta reciclar homem que dá certo!

O problema não é reciclar homem, mas como reciclo o que sinto? Se eu gosto de um não consigo ir para outro assim tão rápido, não é como comprar um celular novo.

-Ah, mas apegando não dá mesmo.

É, se apegando. Mas tem outro jeito de gostar?

-Tem, você gosta ali na hora, um dia ou outro, mas não tem essa de  ''amanhã''.
Você parece aquelas românticas do século passado, sofrendo à toa!

Voltei caminhando, sentindo o vento na minha cara, vendo as pessoas nos bares e pensando como vou aprender essa nova forma de amar? Consumindo e descartando?

De repente me senti velha, ainda lembrando do jeito de amar do século passado, sem celular, sem recados sem páginas virtuais.

Fui muito feliz quando chegava em casa e tinha algum recado do Romeu, meu sorriso aparecia até no céu. Naqueles tempos a gente marcava um encontro e ia lá, esperando Romeu chegar. Hoje as pessoas controlam seus passos pelo celular e vão avisando onde estão cada segundo. O telefone da minha casa era mais cheio, eu tinha que brigar para que o deixassem livre, caso Romeu fosse ligar. E ainda no meio da conversa minha mãe mandava desligar porque tinha que fazer uma ligação. Hoje vejo meu celular solitário, silencioso, como se fosse uma pedra de gelo.

Estou atrasada no tempo, ainda nem me desapeguei dos meus ódios, não reciclei minhas amizades, imagina então consumir e descartar um Romeu.

Um amigo contava uma piada que não lembro, mas era sobre o dia que os homens  foram avisados que dali para frente os relacionamentos seriam monogâmicos e escolhendo uma mulher não poderiam ter outra. A piada era sobre a reação deles, mas em algum momento deve ter acontecido isso, mudanças sociais chegaram e pessoas tiveram que se adaptar as novas regras.

Assim estou, pensando em como me adaptar e muitas pessoas podem dizer que essas meninas estavam brincando, mas sinto essa mudança e leveza nos relacionamentos, é esse ritmo de consumo e descarte. 
Parece que insistir em outra maneira é como defender um objeto velho que a tecnologia já superou. E dizem que somos o reflexo do nosso consumo e na velocidade que estamos parece natural pensar que os relacionamentos são a mesma coisa que comprar um objeto novo, talvez por isso eles fiquem tão chatos e tediosos, como se fossem um aplicativo antigo tentando se adaptar a um objeto mais moderno.

Não critico quem pensa e ama assim, eu ainda nem tentei aprender, o ser humano, apesar de tudo, me parece um pouco mais do que um celular, ainda acredito mais na alma humana do que na velocidade da internet. Assumo meu lado tonta e romântica, sou boba ao achar que um ser humano vale mais do que mil aplicativos e merece mais respeito do que um carregador de celular.

Ainda vou aos lugares e vejo pessoas ao meu redor, seres humanos, não vejo produtos nem objetos. E talvez esse seja o motivo da minha solidão, estou enxergando o que não está mais lá, me esforço para mudar, mas nas ruas que ando ainda vejo pessoas, mesmo sabendo que não existem mais, ainda me recuso a tratar seres humanos como objetos e pensar que são para meu consumo e descarte.


Iara De Dupont


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