terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

.na esquina onde sempre há um pombo morto.

é aí que o domingo faz seu pouso. de alguma janela o que parece uma viola contrasta com a cantoria ecumênica que escapa da portinhola no avançar da rua: não avisto nada além das flores enredadas no portão. entre o pombo e eu, restos da semana já finda; sacos minuciosamente rasgados pelos cachorros do bairro. não escolho meu passo, tateio por instinto o que é calçamento meio à fraldas, um celular de brinquedo, pacotes de macarrão instantâneo e estilhaços do que antes cerveja e festejo. certamente havia maior diversidade, não vi, não escolho meu passo e nem minha atenção. outro pombo, repito o óbvio em silêncio, isso sempre me perturba, mas aos domingos o comichão é dum incômodo mais acentuado.

lembro ainda aquele dia: espera de rodoviária, mochila nas costas, moscas e cheiro de salgadinho. também era domingo. foi um instante e desajeito de quem deveria ter voado, mas não voou. meus olhos em frenesi: no pombo, no ônibus, naquele pneu imenso na direção do - voa, meu filho, voa, que cê tá esperando? - alguns segundos, não mais que isso, ainda assim a memória teve tempo de me trazer dia ainda mais envelhecido: instrutor da auto-escola, eu tímida, eu nervosa, pombos não param de me atravessar o para-brisas, ele zombeteiro: sempre digo que aquele que conseguir atropelar um pombo aqui ganha de mim um prêmio, tranquila, eles sempre voam. - foi um instante, eu na rodoviária, na esperança, e ploc. surdo, exato, pastoso, domingo. 

eu não escolho meu passo, eu não escolho minha atenção, eu não escolho os pombos que me percorrem. 

ainda teve aquele, em minha espreita, quando abri a porta do apartamento. 

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