domingo, 20 de dezembro de 2015

Esse tal de Natal

“Então é Natal, a festa cristã...” Desculpe, sei que agora você vai ficar com essa música na cabeça o dia inteiro, mas é que eu acabei de chegar do supermercado e em meia hora tocaram essa música duas vezes, em português e em inglês. Acho válido socializar a tortura. Quem sabe conforme as pessoas vão lendo e ficando com a música na cabeça ela não vai saindo pouco a pouco da minha memória.

Não é uma mísera música chata que vai estragar o Natal. Afinal essa é a época que o mundo respira o mesmo espírito. Hoje, tal qual na gélida Finlândia, algum senhor de barba branca está Shopping Center Norte, vestido com um agasalho, calças compridas, gorro e coturno. Por sorte, ou estratégia, sua maquiagem é à prova d´água; pode suar tranquilamente.

Enquanto as crianças levam alegria ao bom velhinho, se jogando em seu colo e agarrando em seu pescoço para pedir inúmeros presentes – do iPhone sei lá quanto até que o pai pare de chegar bêbado e batendo em todo mundo – os adultos cuidam da ceia de Natal. É preciso pensar nos pratos típicos, as castanhas importadas, damasco seco, folhas de plátano para enfeitar, pratos quentes e frutas secas. Tudo bem tropical. Mais pela tradição que pela coerência climática, a avó compra tudo para o preparo do gelado pavê, afinal o tio Olímpio não poderia ficar sem o trocadilho.

Com o carrinho cheio de quinquilharias – há décadas repetem que este ano, por causa da crise, só haverá lembrancinhas para as crianças – escutam duas velhinhas beócias criticando o fato de que hoje em dia todo mundo fica preso às compras e esquece o verdadeiro sentido do Natal. Saem com uma pose típica de ‘beijinho no ombro’, mas comentam, no carro, para não dar o braço a torcer, que de fato as pessoas deixam o espírito de Natal de lado – sem perceberem que no fundo, ninguém suportaria uma festa essencialmente religiosa.

Tudo preparado antes do especial Roberto Carlos, todos se sentam para ouvir ‘Jesus Cristo, eu ainda estou aqui’ e reclamar que hoje em dia ele canta com esses artistas populares, como se um dia já tivesse sido melhor que isso. Tem o amigo secreto, para que depois todos reclamem que deram um presente bom e receberam um presente ruim; tem aquela reunião constrangedora entre parentes que não se suportam e se evitaram o ano inteiro; tem as análises políticas daquele primo reacionário; tem a tia encalhada que pergunta dos namoradinhos.

No dia seguinte, enquanto uns tomam remédios para a indigestão causada pelo excesso de comida, outros aproveitam o espírito natalino para pedir esmolas, ouvindo daqueles que se querem dinheiro devem ir pedir para a Dilma. O imbróglio causado pelo (não tão) amigo secreto trouxe à tona as picuinhas familiares e já não há caipirinha que estabeleça um laço fraternal entre os cunhados.

A sexta-feira de Natal se arrasta e quando todos parecem felizes com a iminente volta para casa, o concílio formado pelos membros mais velhos da família impõe a extensão da ‘festa’ por todo o fim-de-semana. Na segunda-feira, em meio às milhares de pessoas que lotam as lojas dos shoppings para trocar os presentes – por que diabos aquele infeliz achou que eu iria gostar disso? – a decisão irrevogável é a de passar o Réveillon dormindo, sozinho, tranquilo como é o desígnio de todo o mal-humorado convicto.

O plano segue seu rumo de forma impecável, até o mundo explodir em rojões, que os mais ansiosos resolvem começar a detonar pouco antes da meia-noite. Os pobres cachorros fazem a base da sinfonia dos infernos com seus uivos e latidos, a gritaria dos mais empolgados é a segunda voz do foguetório que não para. Adeus 2015 (já vai tarde). Adeus sono também.

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