quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O Lagarto

No ônibus, Antônio sintonizou o rádio numa estação que tocava Jazz e, quando percebeu, estava no volume máximo dos fones de ouvido. Gravou mentalmente as músicas que passavam. Johnny Rogers era o saxofonista. Johnny Rogers era um homem de poucas palavras, o rádio disse. Chegou em casa, e tudo o que pensava era em Johnny Rogers.

Casa-trabalho, trabalho-casa, esta era a rotina do cidadão. Não era importante, não era notado. Mas agora, se perguntassem alguma coisa, poderia dizer de Johnny Rogers. Ao menos, não o achariam ignorante.

Agora, todo dia ouvia a rádio. Escutava a música, mas queria Johnny Rogers, o homem de poucas palavras.

Em casa, acendia o cigarro e ficava ouvindo Johnny Rogers em sua cabeça. Tocava um saxofone imaginário, mas com a cautela de nunca imitar com exatidão, não porque não quisesse, mas porque achava que não merecia. Johnny Rogers era um homem de poucas palavras, era inteligente, com certeza. Quem fala pouco, erra menos. Johnny Rogers não errava. Ele, Antônio, errava. Não falava muito, não sabia o que falar, olhava pra baixo, evitava olhar nos olhos, por medo de ofender, falava quase que para dentro, pra não incomodar demais. Acabava, então, com um andar desajeitado, de quem tem medo de ofender até a grama em que pisa.

Sonhava com Johnny Rogers. Sonhava eles dois sentados, ouvindo a música em suas cabeças, e não falando nada, porque não precisavam falar, se entendiam. E Johnny Rogers achava que Antônio era um sujeito digno. Que não se pode desprezar camaradas assim, que são eles que mexem nas rodas do mundo. E admiravam as músicas.

Ao longo do tempo, depois de tanto entender Johnny Rogers, achou que poderia ser mais ele. Afinal, um cidadão de poucas palavras erra pouco. Começou olhando as pessoas nos olhos, e foi ficando quieto. Se lhe perguntavam algo, olhava para o infinito, pensando na resposta mais curta possível, e se decidindo por um aceno de cabeça, no final. Com uma certa expressão de quem tem mil e um nós dentro dos miolos, prestes a entrarem em pane total. Um pouco mais saxofonista, e foi enfrentando as pessoas do ônibus de cada dia. Já que não era certo tratar um cidadão de bem no empurra-esmurra-sai-pra-lá.

Johnny Rogers, pensava ele, não devia ter medo de ninguém. Se lhe ameaçavam alguma coisa, já devia tascar um olhar de quem consegue ler os pensamentos, soltando um “não” indiscutível. Johnny Rogers poderia beber doses e doses de conhaque e continuar sóbrio. Johnny Rogers não discutia, porque sabia que ele estava com a razão. Johnny Rogers falava pouco, então, quando falava, era apenas uma vez. Quando ameaçava, também. Johnny Rogers não ficava onde não queria. Johnny Rogers sofria de um incrível amor por si mesmo. Johnny Roger podia até matar. Porque Johnny Rogers podia. Ninguém enfrentava Johnny Rogers. Ele tinha seu saxofone dourado e brilhante, que tremeluzia como um lagarto dançando por entre a luz das velas. 

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