quinta-feira, 20 de março de 2014

O conto do vigário militar

Dentro de doze dias será primeiro de abril. Dia da mentira. Mas não será um dia qualquer, pois serão completados 50 anos de uma das maiores mentiras que o país já viu, e olha que não foram poucas.

Seja com os eufemismos de ‘revolução de 64’ ou ‘ruptura democrática’, seja com a triste realidade de golpe ditatorial, há 50 anos o governo brasileiro foi derrubado e a democracia suprimida violentamente por 21 anos.

Apesar de seu aspecto sombrio e de suas ações sanguinárias, a ameaça de uma ditadura militar continua a seduzir fortemente alguns setores da sociedade, e pior, alguns setores que não foram beneficiados em nada com a ditadura.

Poucos dias atrás circulava na internet, de forma irônica, que a esquerda aceitou o fim do comunismo melhor que a direita. Há um fundo de verdade na piada. Na década de 60, João Goulart, presidente deposto pelos militares, não tinha nada de comunista. O que fazia era tentar por em prática medidas que beneficiariam a população, como reforma agrária, leis contra a especulação imobiliária, sufrágio universal, etc.

À burguesia restava demonizar tais medidas, colocando-as no mesmo bojo de atitudes contra a moral, os bons costumes, a família e tudo que pudesse sensibilizar aqueles que seriam beneficiados por medidas populares. O produto resultante dessa mistura ganhou o nome de comunismo.

Não é necessário ser profundo conhecedor de Karl Marx ou estudar a fundo o livro “A ideologia alemã” para saber que tudo isso não tem nada de comunista. Tão pouco as falácias de que no comunismo seus bens serão roubados, que se sua casa for invadida ninguém poderá fazer nada ou que exemplos de comunismo podem ser conferidos em Cuba e Coréia do Norte. Nota: uma sociedade comunista não tem governo.

Não bastassem os 21 anos de repressão, o fantasma da ditadura volta a rondar e, pasmem, com o mesmo discurso sem pé nem cabeça de 50 anos atrás. Até mesmo a “marcha pela família com deus pela liberdade” será reeditada, clamando por uma intervenção que cerceie a liberdade em prol da liberdade (?).

Felizmente a oposição a essa ideologia ainda é forte e entre os opositores há quem defenda a proibição de manifestações em favor da ditadura. Por mais estranho que pareça, é importante que esses grupos reacionários tenham voz. Como dizia John Stuart Mill, mais eficiente que censurar um argumento é ouvi-lo e desconstrui-lo.

A atual situação política do país não é, de fato, muito animadora. A corrupção está fora de controle, a economia cresce mas com deslizes e o governo visa os interesses de uma minoria. Difícil é saber se essa descrição é referente ao período democrático ou ditatorial.

Passamos 21 anos sem ter notícias de corrupção no governo, o que seria o sonho de toda população. Por outro lado contávamos com agentes que censuravam até mesmo as novelas da televisão, será mesmo que haveria liberdade para que um jornal denunciasse um ato de corrupção?

Com ou sem corrupção, nosso crescimento econômico era bem maior, chegava aos dois dígitos como a atual China, por vezes também chamada de comunista. O único detalhe é que o preço que pagamos por esse crescimento irreal é alto até hoje. Financiado com o dinheiro de empréstimos, o crescimento econômico do período da ditadura fez com que a dívida externa aumentasse oito vezes em 20 anos, passando de 12 para 100 bilhões de dólares.

O argumento irrefutável por parte dos militares e atuais simpatizantes é que atualmente o Brasil é governado pelo PT, que leva a cor vermelha do comunismo em seu símbolo e colocou até o Bolsa Família em prática para dar dinheiro a quem não trabalha, certo?

Dizem os matemáticos que os números não mentem; complemento que não mentem, mas aceitam muito bem uma maquiagem. O Bolsa Família teve em 2013 um orçamento de R$ 24 bilhões, 0,5% do PIB que beneficiou 13,7 milhões de famílias. Já as despesas com aposentadorias e pensões militares consumiram R$ 24,5 bilhões para beneficiar pouco menos de 300 mil pessoas.

Com o governo que temos é sedutor e necessário promover manifestações e clamar por mudanças, mas é sempre bom olhar ao redor para verificar se não estão nos oferecendo uma casa de doces para nos conduzir ao abate.


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