sábado, 22 de fevereiro de 2014

Advinha o que vem para o jantar

A vida moderna tem colaborado para que alguns estabelecimentos se multipliquem pelas ruas da cidade. Não, não estou me referindo às igrejas evangélicas, ainda que também seja verdade, mas aos inúmeros estabelecimentos que entregam comida em casa, os famosos deliveries (porque em inglês tudo fica mais descolado). A porta de minha geladeira é prova disso. Sim, me lembro que a geladeira de minha mãe era adornada com ímãs de frutas, duas ou três fotos e um calendário da Liquigás. Nada mais distinto do que se passa em minha geladeira, sobretudo pelo último item, porque pelo tanto que cozinhamos (minha senhora e eu) muito me estranha que a Liquigás ainda passe pela minha rua. Mas voltemos à minha geladeira.

A porta de minha geladeira é praticamente um grande cardápio, onde podemos vislumbrar o que há de melhor e de pior na gastronomia internacional. Há culinária chinesa, suiça, japonesa, italiana, árabe e brasileira (por que não?). Entrega-se de tudo: pizza aberta, fechada, pizza frita, pizza assada, batata recheada, beirute, pastel, hambúrgueres, bife a parmegiana e sushi. Tudo isso no conforto do lar e com a possibilidade de passar na maquininha do vale refeição que você economizou no almoço.

Não que esses estabelecimentos não existissem há uns 20 anos, mas não aos montes, e eram essencialmente lugares que recebiam as pessoas em seus salões em dias especiais, geralmente aos fins de semana, já que ninguém ia se dar ao luxo de comer pizza numa terça feira qualquer. Pois hoje se comete este disparate sem peso na consciência, ainda que o peso de muitos tenha aumentado por conta de tanta facilidade.


Facilidade em termos. Feliz é aquele que viveu no tempo em que as pessoas simples comiam pizza de calabresa ou mussarela e os mais saidinhos iam na de quatro queijos ou na sofisticadíssima portuguesa. Hoje são tantas opções que o momento da escolha se transformou num verdadeiro calvário familiar.  Nunca sabemos o que escolher diante daquela infinidade de combinações e o consenso se torna quase impossível. Sempre tem o vegetariano que fala que com ele não tem frescura, desde que não haja cadáveres em seu pedaço, e sempre há o glutão que pede pra colocar bacon em sua pizza de aliche. No fim pede-se meio de uma, meio de outra, o motoboy mistura tudo na primeira curva e fica tudo com o mesmo gosto e a sensação de que era melhor ter pedido uma de mussarela.

Tentando evitar um dissabor como este, minha senhora e eu somos bem conservadores não hora de escolher nossos sabores. Escolhemos entre quatro ou cinco que já passaram por aprovação anterior e assim mantemos intacta a harmonia familiar, tão desejada em dias tão turbulentos, sobretudo na hora das refeições. Quando estamos com muita fome, por exemplo, qualquer segundo que se ganhe é muito valioso, foi por isso que, dias atrás, quando minha senhora me indagou que pizza eu queria, eu fui logo dizendo: "Pede aquela tal de "À moda do pizzaiolo"". Aquela combinação de peito de peru, catupiri e azeitonas tinha agradado bastante da última vez. O tal pizzaiolo sabia das coisas e merecia ser homenageado mais uma vez!

Provavelmente porque eu estava com muita fome, a pizza demorou uma eternidade para chegar. Decorridos 60 minutos, quando minha fome já estava chegando num estágio em que eu começava a olhar com interesse para o pacote de Miojo, resolvi ligar para a pizzaria e reclamar do atraso. "Senhor Felipe, fique tranquilo que o entregador já saiu com seu pedido". Bom, considerando que a pizzaria fica a menos de 1 quilômetro de minha residência, resolvi abandonar a ideia de corromper o meu estômago e decidi aguardar. Minha senhora, que não estava com fome, manteve-se indiferente.

Não costumo dar gorjeta aos entregadores. Não tenho nada contra eles, mas considero que esta taxa já está inclusa no valor da pizza. O entregador também não tem nada contra mim, mas considera mais conveniente entregar primeiro a pizza dos clientes mais generosos. Não encontro outra explicação para o fato da pizza ter demorado mais 35 minutos para chegar. O fato é que chegou e eu salivava só de pensar no peito de peru adornando o catupiri borbulhante. Fui ingênuo. Aberta a embalagem o peito de peru se transformou em peperoni, o catupiri em mussarela e as azeitonas viraram pimentão e champignon. Vou fazer o quê? Devolver a pizza e esperar mais uma hora e trinta e cinco por outra pizza de "sabe-se Deus" qual sabor? Jamais! Bora incorporar o texano e mandar ver no peperoni com pimentão, uma coisinha leve para antes de dormir...

Mas eu descobri o que aconteceu! Junto com a embalagem jazia um folheto novo da pizzaria, anunciando em letras garrafais: "Sob nova direção". No interior do cardápio constava: "À moda do pizzaiolo: mussarela, peperoni, pimentão e champgnon". Ah, então era isso. A pizzaria mudou de dono, provavelmente reduziu pela metade o número de motoboys (1h35!) e contratou um novo pizzaiolo. O pizzaiolo, muito cheio de si, não ia aceitar que a pizza que levava seu nome se mantivesse com os ingredientes do pizzaiolinho anterior. Os clientes famintos que se danem! Pimentão com peperoni neles!

O fato é que comemos a redonda. Não sei se foi a fome ou uma piada de mau gosto do destino, mas depois da refeição tivemos que ligar novamente pra pizzaria e praticar a humildade. Ligamos para informá-los que o novo pizzaiolo deles era muito bom e de que aquela tinha sido a melhor pizza que comemos nos últimos tempos. E se eles falassem com os antigos donos saberiam que não foram poucas!

Hoje é sábado e, como qualquer outro dia da semana, um ótimo dia para se pedir uma pizza. Já sei o que vou fazer: quando o atendente vier com o seu famoso "fala, patrão, o que vai hoje?", eu não vou me desgastar montando combinações estapafúrdias ou solicitar que se troque um ingrediente pelo outro. Vou apenas sorrir e dizer:

- Surpreenda-me! 

9 comentários:

  1. Há rumores de que você trocou os folhetos das pizzarias. Tenho quase certeza que dentre aqueles folhetos fixados na sua geladeira (aliás, ainda é possível saber a cor dela?) deve ter um que contenha a tal À Moda Pizzaiolo do jeitinho que você imaginou quando fez o pedido. Minha meta é ter uma pizza com meu nome, por isso, quando peço, procuro inventar uma nova combinação. Quem sabe a posteridade lembre de mim com uma fatia...

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    1. Cara amiga, Híndira! É uma honra imensa tê-la por aqui novamente! Então, esta versão que vc leu aqui é a última versão da história, que eu confirmei quando fui à sua casa e vi o folheto antigo da pizzaria... o novo pizzaiolo mudou mesmo a tal da pizza!

      A posteridade vai lembrar de ti com uma pizzaria inteira! Abraço!

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  2. Eu sou muito do contra... minha geladeira tem um imã do Pink Floyd, um com o Homer Simpson no quadro O Grito e dois de cinema. Não peço pizza, prefiro ir até a pizzaria, acho que é um jeito de quebrar um pouco a rotina de comer em casa e usar um pouquinho a cidade, sei lá..... (viagens de uma segunda de manhã)

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  3. Boa dica, Alexandre... O que nem sempre é fácil é encontrar pizzarias com mesinhas... as da minha rua mesmo, só entregam :(

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    1. Um comentário pertinente sobre pizzas: Todo mundo sabe que cebolas não são comestíveis, apesar disso alguns seguem insistindo nessa prática insana. Tudo bem, é só tirar a cebola da pizza, faço isso desde que nasci. Maaaaas, ultimamente alguns pizzaiolos (que deveriam ser amarrados em postes, nus, presos por trava de bicicleta) na hora de montar a pizza colocam a cebola primeiro e cobrem com mussarela, que quando derrete cria uma capa protetora que impossibilita a retirada da cebola! Essas pizzarias deveriam ir à falência...

      ps. fui irônico qto a amarrar os pizzaiolos, só para deixar claro!

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    2. Sherazade curtiu seu comentário, Alexandre!

      Quanto a mim, só de pensar em cebola coberta com mussarela, fico água na boca! Ai, que fome!

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  4. Acabou de descobrir que não existe apenas uma Maria no mundo.

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  5. Sou vizinho de uma pizzaria. Não precisaria me preocupar com alguns detalhes, como a entrega, o motoboy misturador de sabores, e até mesmo com o orgulho dum novo pizzaiolo. Vou até ao estabelecimento, peço o que quero e fico esperado. Uma das poucas vezes que não fiz isso aconteceu algo meio... estranho.
    Entregaram num prédio mais distante, sendo que, a pizzaria de que sou cliente pode receber pedradas diretas de minha janela, tamanha a proximidade.

    Quanto à loucura do delivery eu penso que, a máquina do Capital precisa dessa engrenagem, daquela da moto do entregador, da correria X a fome do cliente ( em nosso sistema a fome gera lucro). E quem, hoje em dia, faz comida todos os dias, em casa, depois de trabalhar sua jornada tão demarcada pela CLT?
    Felizes eram as antigas geladeiras...

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