terça-feira, 26 de novembro de 2013

sobre a literatura - e o que há de vir

(caminho de Belém, que transformei em parede, apesar de ter sido dia tão lindo 
= artifícios da imagem)

não sou daquelas que acredita que a literatura humaniza as pessoas. estou mais para acreditar que a literatura nos ajuda a conviver com o que há de inumano, seja em nós, seja nos outros, como se fosse um antídoto contra o mal, mas que não tem o poder de debelar o mal. e como todo antídoto, contém o mal que quer debelar (não sei se cientificamente é isto mesmo). mas o que quero dizer é que o fato de uma pessoa ser próxima da literatura já a coloca diante de uma série de horrores e talvez esses horrores contribuam para esta vivência cotidiana, para a negociação necessária que nos permite conviver com as sobras, aí, sim, do humano. 

as literaturas que mais me chamaram atenção até hoje contêm uma alta dose de abjeção, de desconforto. sem mensagens, sem consolo, sem saídas. só impasses e mais impasses. caminho-parede. e horror, para usar a palavra do dia. foi assim com kafka, com thomas bernhard, com beckett, com graciliano. a exceção talvez tenha sido italo calvino, por quem já fui muito apaixonada. todo o resto é uma grande arena de lutas. será por isso que tenho 'sonhos intranquilos'? ou será por isso que tenho uma resistência maior diante dos pesadelos cotidianos? não tenho resposta. 

é o outro lado da literatura. ou o lado mais crucial. não há respostas. nem conselhos. e as grandes mentiras, as grandes ações, são todas de seres admiráveis, ainda que desprezíveis. talvez seja aí a grande diferença com o que banalmente pensamos ser o 'real'. no real, boa parte das pessoas é apenas desprezível. e sem poder abdicar da própria avareza, da própria cegueira que nos conduz, resta-nos apenas batalhar dia a dia por um pouco de amor, ou de alheamento, que nos deixem a salvos.

(como disse caetano veloso, em festival de 1968, "hoje não tem Fernando Pessoa'. só há em mim a incorporação da revolta e da descrença. ou da raiva, que dá no mesmo e que, como já me disse uma pessoa muito amada, é o nervo necessário para o impulso das mudanças, que hão-de-vir).
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