segunda-feira, 27 de maio de 2013

Comentário de notícia

Notícia trágica tem todo dia no jornal: aos montes. O mundo é uma sucessão de tragédias: naturais, acidentais e intencionais. As tragédias desse último tipo são geralmente as que mais nos chocam. Algumas ganham destaque na imprensa dependendo das circunstâncias. Os holofotes se dirigem para as mais tristes, graves e perigosas tragédias. Uma tragédia pode ficar "famosa" devido ao grau de crueldade empregado ou da classe social dos envolvidos. 

A tragédia da vez é sobre o homem enfurecido que matou os vizinhos e depois se matou.  Li a manchete, cliquei, li a notícia. Cenário: um condomínio de luxo. Motivo: barulho. A arma usada: revólver. Resultado: uma criança de um ano órfã de mãe e pai. Poderia parar  por aí. Os elementos já são suficientes para a mais completa tragédia. O problema é que não consigo me livrar desse masoquismo intelectual de ler os comentários dos leitores. E isso pode ser mais ainda mais funesto. No caso da tragédia em questão a opinião geral é: "não culpo o assassino, culpo as vítimas que...". Acho incrível como as pessoas atribuem às vítimas as mais terríveis qualidades sem saber absolutamente nada sobre elas, além de proliferarem preconceitos e intolerâncias de todo tipo.

Cada tragédia nos toca de uma forma. Essa me tocou especialmente, não só por ser moradora de condomínio, mas pelos diversos problemas que levanta. Todo mundo que mora em condomínio certamente tem, em alguma medida, dificuldades de convivência. Essa coisa de morar empoleirado não é mesmo fácil: cada um tem um senso estético, ético e político. Os limites entre o barulho, o ruído e o silêncio não são universais. Se para você barulho é ouvir heavy metal no último volume, para o seu vizinho pode ser uma moeda que cai no chão. Encontrar o "bom senso" é complicado e contar com a tolerância alheia mais ainda. 

Essa tragédia me fez pensar que já passou do momento de questionarmos nosso modelo de vida "em condomínio": investimos, cada vez mais, na segurança para evitar que "estranhos" não invadam o nosso espaço, mas os nossos próprios vizinhos são estranhos para nós. Não temos nenhum contato com os que habitam ao lado, acima e embaixo de nós. Não há nada entre nós e eles, a não ser paredes. E paredes cada vez mais finas, sem nenhuma isolação acústica, graças às construtoras gananciosas.

Além disso, a tragédia aconteceu - não ignoremos! - porque alguém tinha uma arma, e esta não foi a primeira vez. Essa tragédia, pensando bem, é bem batida - embora o cenário quase nunca seja um condomínio de luxo. Nesse caso, era um homem rico que tinha porte de arma porque precisava se proteger. Pois bem, foi justamente o cidadão de bem que resolveu invadir a casa do vizinho e acabar com a briga pelo barulho em troca de um silêncio eterno. Quando tragédias como essa chocam a sociedade, surgem as mais diversas medidas ditas preventivas. Fico imaginando as medidas que vão tomar nos condomínios: testes psicológicos dos condôminos? Mais monitoramento? 

As pessoas argumentam que tudo aconteceu por causa de um momento de loucura do homem, eu prefiro achar que tudo aconteceu por burrice da sociedade mesmo. O desarmamento evitarias inúmeras tragédias desse tipo e um pouco de simpatia no condomínio talvez trouxesse mais tolerância a toda vizinhança. Dar "bom dia" no elevador seria um bom começo para evitar a próxima tragédia.

5 comentários:

  1. Ahaa, se identificou ein rsss
    Pode parar de brigar com seus vizinhos.
    "O perigo mora ao lado" ou embaixo.

    Mas falando sério, gentileza gera gentileza. O negócio foi cruel.

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  2. Gente lesa gera gente lesa, Risa.

    É triste pensar em quão "privados" nos tornamos. Quando a falta de sentimento comunitário chega ao ponto de fazer com que a bala de um revólver seja o argumento que prevalece é porque a coisa está mesmo feia. A distância que os separava era muito maior do que a fina camada de concreto ou que um lance de escadas.

    Quem morreu foi a nossa humanidade.

    Que os órfãos que resultam de nossa progressiva desumanidade possam estabelecer fronteiras mais flexíveis entre sí, seja em Alphaville, seja em AllFavela.

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  3. Os comentadores de notícias expõem um lado bem obtuso na internet, quase como uma forma de expurgar os próprios demônios. Parece evidente que numa sala de debates, com microfone e câmeras apontados para si ou até numa mesa com conhecidos, tais opiniões digitadas em caixas de comentários, se muito fossem expressas, não seriam da mesma forma, haveria certo cuidado que inexiste nas páginas de notícias.
    O fato de querer inclinar o prato da balança para o lado das vítimas ou para o lado do assassino também é certa forma de aliviar a tensão, explicar o inexplicável.
    Acho mesmo que você levantou várias lebres e que talvez uma nem esteja tão ligada à outra, mas são questões que poderiam suscitar um debate um pouco mais profundo que o que o jornalista faz, naquele jeito dramático, quase como o um palhaço triste de um decadente picadeiro. Aliás, se o jornalista fosse substituído por choradeiras em coro e vestidas de luto, o drama encenado na tevê pelo apresentador, pela comentarista e etc. seria dotado de mais dignidade, porque a alegoria estaria explicitada. Não vejo grande diferença entre os comentadores "anônimos" e "não remunerados" e aqueles que são pagos pelos veículos jornalísticos para "lamentarem" a sociedade. (ao meu ver, o único jornal no qual os comentadores prestam algum serviço à sociedade são os do Jornal da Cultura)
    Outro dia, na tv uma repórter estava questionando uma atriz sobre a falta de dados de realidade na novela. A atriz foi categórica: quem quer realidade assiste o telejornal. Tenho que discordar dessa atriz. Acho que ela deveria ter simplesmente devolvido a pergunta à repórter, porque os telejornais mostram à maneira deles qualquer coisa, exceto a realidade.

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  4. Híndira, achei que fosse o dia 10 rsss. Mas na boa, vc falou td, mandou muito bem. O R G U L H O !

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  5. Será que os comentários de internet seguem esse nível, esse padrão, no mundo inteiro? Eu acho que deveriam começar a incluir esses comentários nos indicadores sociais! Dá até medo, os comentaristas podem ser nossos vizinhos :s

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