sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Se tiver que ser criança de novo eu não volto!

Tenho um amigo espírita que adora me contar como são as coisas depois que as pessoas desencarnam.Ele me garante que é como aquele filme ` Nosso Lar ´.Quando ele chega nessa parte começo a suar frio,porque achei o filme um porre e toda aquela vida após a morte mais tediosa do que a minha vida atual.
Mas a conversa emperra mesmo quando chegamos na parte do ` Pavilhão da reencarnação ´,lugar onde os espíritos vão para voltar a Terra.
Sei e nem preciso ir muito longe para dizer isso,que quando eu chegar nesse Pavilhão vai dar merda.Porque voltar aqui,neste planeta,não está nos meus planos,basicamente porque teria que ser criança de novo e não tenho a menor vontade de passar por isso outra vez,sempre disse que experiência ruim vale uma vez para aprender,mais do que isso é burrice e masoquismo.
Minha infância foi longa,arrastada e eterna,como um desses filmes que a gente não tem como sair e tem que ficar assistindo até o final.
Do muito que me contam sobre a magia da infância,não conheci.Crianças correndo soltas na sua inocência,sua ingenuidade e no seu deslumbramento pela vida,essas crianças nunca cruzaram minha vida.
Na vida real eu era massacrada todos os dias por elas,perseguida e humilhada.Eu era alta,usava óculos,era gorda e tinha um defeito terrível,só gostava de livros,nada me interessava além deles.
Para piorar não era boa em nada,nada,nada,era um desastre natural,péssima em matemática,esportes,em qualquer tipo de concurso.
Mas como hoje é o dia das crianças vou contar a melhor parte da minha infância:ela acabou.Mais um dia nessa tortura e eu não teria sobrevivido.
A vida adulta para mim é o paraíso.Se alguém fala mal de mim ou tira sarro,faz isso pelas costas,coisa que agradeço.Se alguém tentar me humilhar,eu devolvo na hora,sem medo de ir para a sala da diretora.
Hoje brinco o que não brinquei,como a sobremesa antes do almoço,mando a merda quem não mandei e sou livre,exatamente como dizem que as crianças são.
E não acredito mais em historinhas com final feliz,hoje sei o peso da crueldade infantil,sei que as crianças trazem seu ódio líquido e os adultos fingem não perceber.Alguém vai correr e dizer- Mas isso não é ódio líquido,crianças são inocentes e dizem o que pensam!
Ora e desde quando dizer o que se pensa é apropriado se envolve a opinião sobre outra pessoa?
Muito se pode falar sobre a inocência ou crueldade das crianças,mas eu senti na pele a maldade,ao contrário de muitos que ficaram com trauma de adultos,eu tenho trauma de crianças.
Anos atrás aconteceu uma coisa estranha.Eu procurava um livro sobre teatro infantil e achei em um sebo um livro de contos ingleses,escrito no começo do século XX.
Não consigo lembrar o nome do livro e fiz uma coisa que não se faz nem por decreto,emprestei ele e nunca mais o vi.
Mas as histórias ficaram tatuadas na minha mente,nunca esqueci.Eram contos sobre crianças, nunca li nada parecido aquilo.
Em um dos contos um menino acha duendes no seu jardim,resolve atrair eles a casa de bonecas de sua irmã e acaba aprisionando os duendes e se diverte por meses torturando eles,deixando eles passarem fome,sede e medo.
Outro conto que nunca esqueci foi da menina que acha fadinhas no seu jardim e faz amizade com elas.Um dia pede as fadas que coloquem flores no seu cabelo e as fadas se recusam a fazer isso.A menina não pensa duas vezes,corre a sua casa e volta com uma tesoura e corta as asas de todas as fadinhas.
Foi a primeira vez que li uma coisa assim sobre crianças,um texto relacionando infância e crueldade.Cresci lendo livros fofos,meigos,cheios de crianças sapecas e curiosas,nunca tinha lido nada igual.
Lamentei profundamente que esse livro não tivesse caído nas minhas mãos quando eu era garotinha.Eu lia tanto e com tanto desespero que teria sido um alívio perceber que não era a única que tinha conhecido a crueldade infantil.
Mesmo assim comemoro o dia das crianças,ah,eu sou uma sobrevivente,como não vou comemorar?
E curiosamente crianças me adoram,mas isso acontece porque elas são espertas e sabem quem são as pessoas só de olhar.Elas olham para mim e podem ver no fundo da minha alma,sabem que eu sei o que elas estão passando e não sou outra adulta a dizer que tudo na infância é mágico, em silêncio elas percebem que eu conheço o inferno que algumas passam.E sobreviventes são assim,se reconhecem no olhar.
 

5 comentários:

  1. Eu gostei. Como a maioria, vc poderia ter ressaltado os prazeres que os livros te proporcionaram e esconder as tristezas, que sem dúvida existiram para todos. Só discordo quando vc diz que foi um período ruim, pois as dificuldades apenas mudam. Quando criança eu achava que as torturas impostas pelas outras crianças eram a pior coisa do mundo, hoje tenho um milhão de preocupações com contas para pagar, estudos, trabalho, manter a própria vida, consumir e mais um milhão de obrigações. Quando for velho terei todos os problemas da idade. Não é a infância que é uma tortura, a vida como um todo é bem decepcionante quando analisada racionalmente.

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  2. Só um comentário: Adorei!
    Beijos,
    Carol

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  3. Caramba na sua infância não tinha NADA legal... Apesar de ter sofrido bastante na minha... Eu fui bem feliz. Tinha pais maravilhosos, uma mãe que me defendia e que me ensinou que, apesar do medo de errar DEVEMOS TER OPINIÃO e que, NINGUÉM é melhor que o outro. Parece besteira, mas é a pura verdade. Não pense que foi fácil... Desde os meus 13 anos que eu calço 42, imagine em 1982 uma menina calçar esse número... sofri muito. A timidez era outra amiga e companheira; grande em termos de altura e muito nova, para uma turma de nanicos que eram mais velhos que euzinha... imagine, mas graças a minha criatividade sempre me destaquei em algumas matérias em sala de aula. Chorei, tive ódio, vontade de sumir, inveja, desespero... tudo junto e misturado... mas fui mais forte que todos eles que, com certeza andam perdidos por ai... Abraços e beijos...
    Ps... Gostei do seu comentário, apesar de achar muito triste.... As pessoas que perseguem são um bando de babacas...

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  4. Iara, ainda bem que você não leu esse livro na infância, senão, pobre de seus colegas! Rs

    Brincadeiras à parte, fiquei triste com sua história, porque crianças são terríveis mesmo, o negócio é não guardar mágoas. Beijos

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  5. Hoje sou pai e tenho uma vontade monstruosa de estar com meu filho, por isso não voltaria a ser criança. Porém, se não fosse ele, eu daria 50 anos da minha vida, por mais 5 minutos da minha infância. mesmo com todos os problemas que todo mundo tem, foi M U I T O B O M !
    É uma pena voce ter passado por isso, mas o importante é que já passou.

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