quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Horbal

Sol, muito sol e poucas horas no meu dia. Um ônibus lotado, um assento vago e eu sentei, antes de girar a catraca. Ao meu lado, velhinhos e velhinhas rumo a lugar algum, contabilizando mais alguns anos de vida. Para mim, ali, o tempo não passava. Os livros pesavam sobre meu colo e os pensamentos, em minha cabeça. E ainda era meio-dia.
O ônibus pára. Do ponto, sobe meu avô, sem dificuldades. Fala algo com o motorista e procura um banco para sentar. Eu não queria conversar. Escolher palavras, despertar assuntos, olhar para os olhos de alguém e dizer algo banal, ou não. Não queria nada.Girei a catraca e fui para o outro lado, cercado de jovenzinhos e seus fones estéreos e horas vagas. Ele não me viu. Acho que não viu. Estava tão cansado que pouco sentia culpa por ter sido tão anti-social, por ser vazio e alheio a um pouco de carinho. Os livros já não pesavam mais tanto quanto a culpa que estava ali, adormecida. Os jovenzinhos e seus fones brancos estéreos e olhar distante me incomodavam mais do que o peso do acúmulo dos anos dos corpos daqueles velhinhos que ocupavam a frente do ônibus. Eu nunca quis envelhecer. Fiz um pacto comigo mesmo, de morrer jovem, aos 30 anos. Espero que a natureza respeite e que Deus aceite. Meu avô não parecia comigo, tinha a pele escura, cabelo grisalho e os olhos claros, bonitos. Eu tinha culpa. Culpa e vergonha de não dar um olá. Se ele tivesse me visto, era pior aparecer lá depois. Soaria falso. Se ele não me viu, a conversa seria ridícula, separada por uma catraca e ouvida por um ônibus inteiro. Ah, se eu não tivesse passado a catraca podia sim ter dado um oi, um simples oi, e dormido. Fechar meus olhos e descansar o sono dos justos. Dormi, mas sem justiça, um sono de culpa. No sonho, que realmente parecia sonho, vi meu avô girar a catraca e vir até mim. Sentou ao meu lado, pegou meus livros e colocou em seu colo. Abraçou a minha mão com a sua e ameaçou dizer algo, mas não disse. Olhou-me por alguns segundos e disse: até logo. Acordei, assustado, com a cabeça encostada no vidro. Levantei, era hora de descer. Procurei pelo meu avô, do outro lado do ônibus. Ele já não estava lá. Esta foi a ultima vez que vi meu avô. Hoje, uma grande catraca entre a vida e a morte separa nós dois. O que há do outro lado, eu ainda não sei. Na minha cabeça, ele está cercado por velhinhos e eu aqui, com meus jovenzinhos de fones de ouvido estéreos. Eu, que me recusei a dar um ‘oi’, ouvi um ‘tchau’ que deve durar para sempre até que eu gire esta catraca, antes ou depois dos meus 30 anos.

8 comentários:

  1. Sensível e sem a típica ironia ruiva (que também é sensacional).

    Eu fiquei mais de dois anos sem visitar minha avó, que morava na rua debaixo, ela morreu e eu não fui ao enterro. Não sei se tenho culpa, mas não sinto nenhum orgulho.

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  2. Isso meio que me choca.
    E fico triste por vc, pq é algo que vc nao vai se perdoar.
    Eu fui encontrar meu namorado em outra cidade quando minha prima estava no hospital. Ela morreu, eu nao pude chegar ao enterro a tempo, e eu nao nunca vou me perdoar. Isso já tem 8 anos, e vira e mexe eu tenho pesadelo, acordo dr madrugada, e me sinto o pior dos seres.

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  3. sei que talvez não era seu objetivo (ou era, sei lá!), mas seu texto me deixou mal...


    uau!

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  4. Eu ia escrever uma porção de coisas, que embora tenha batido um arrependimento pelo ato, eu fiquei indignada, que n˜åo achei o texto sensível porra nenhuma e tals. Mas quem nunca "pecou" que atire a primeira pedra...

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  5. Faço suas as minhas palvras Sakana-san.

    bjs!

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  6. Certeza que se você soubesse que o vô morreria logo após teria dito oi e puxado conversa mesmo sem vontade de falar, coisa costumeira de se fazer com quem a gente ama, mesmo em dia de saco cheio a gente tá lá. Mas não deu tempo, a vida é dura e seu vô tá morto. Não se culpe, a falta de sentido das coisas é fardo muito pesado pra se carregar, pesado e injusto.
    Um abraço Felipe.

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  7. Caríssimos, posto aqui o meu sorry. Confundi lá no painel de blogs, e o que era para sair no meu blog, saiu por engano aqui. Agora que entrei no dos 30 para ler, vi a batatada. Já excluí, peço desculpas.

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  8. Errar tds erram... principalmente seu avó que apesar de ser um homem maravilhoso, no verdadeiro sentido tb errou em algumas coisas,pq tb precisou aprender! Mas antes dele morrer, numa noite que seria de mta alegria e não deixou de ser, ele, Horbal, pediu perdão não só a sua família mas tb a Deus, por td que ja tinha feito, tanto erros como acertos! Não sabiamos ou não queriamos acreditar, mas ele estava se despedindo... e eu nunca vou esquecer essa noite!!!

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