terça-feira, 29 de setembro de 2009

O Casarão

Levantava a cabecinha tanto que o pescoço doía. De tão comprido, não conseguia ver o telhado. Havia janelas por todo lado, buracos deixavam frestas, o sol atravessava quase cegando o olhar. A porta velha, como maçaneta argolas enferrujadas, roída pelo tempo. O coração saltava, ansiosa para saber o que havia lá. Quando ele abriu, saiu devagar detrás, largando as mãos que a segurava. Era tão grande, escadas, janelas, teias de aranha, pó, madeira velha no chão, foices penduradas, se tornara um depósito de ferramentas, artifícios da roça. Subia em passos curtos uma escada, dando acesso ao que lhe parecia ter sido uma sala. Uma lareira, ferro e toras de madeira apodrecida, pregos por todos os lados, ali penduravam quadros? Eles conversavam à respeito, a fazenda era do Barão Malêncio, a propriedade mais antiga da região. Logo ali, uma geração se fez e desfez. O último de sua geração perdera para às dívidas, arrematado por Jacó, numa verdadeira pechincha de leilão.

Enquanto conversavam, explicando pausadamente como gostaria que ficasse a fazenda, lhe pediu um favor - só não derrube este casarão, por consideração o deixarei de pé, enquanto puder. Ele respondia firme, voz altiva, que não faria nada com o velho casarão. A pequena dispersa da conversa de adultos, olhava fixamente uma escada e debaixo a porta pequena com fechadura engraçada. Atraída foi em direcção, abriu e entrou rápido sem que percebessem. Encantada com a salinha, o banquinho e a janela que dava o presente, embaciados de maravilhas, olhava o sol e os montes cheios de árvores na parte mais alta e na baixa pasto para gado, os açudes como irmãos gêmeos e os três pés de manga, lembrava de lambança, passava a língua nos lábios, a manga mais rosada.

Calma e respirando fundo, abriu a janela sem o menor ruído, queria sentir o vento que no assobio, pedia para brincar com os cabelos lançando pra lá e pra cá. Ali se perdera, olhar longe, fechando os olhos para sentir o momento. Silêncio. Um susto! Ouvia os gritos dele, com voz de bravo se perguntava - onde diacho foi essa menina! Saiu correndo, ofegante fechou a porta, não queria que ninguém soubesse daquele lugar. Ali seria perfeito. Um lugar para ficar. Descendo as escadas, quase escorregou, dizendo:
- Estou aqui, estou aqui...
Bravo, chegou perto, abaixou-se e disse:
- Não quero você aqui. Entendeu?
- Silêncio...
Ela com olhos cheios de lágrimas abaixa a cabeça... e ele sem dó lhe disse:
- Se por acaso vê-la aqui vai apanhar feio, este não é lugar para brincar.
Não saia nenhuma palavra, e só balançava a cabeça, mordendo o lábios engolindo o choro.
Ela conhecendo aquele olhar alucinado com olhos brilhantes quase falantes e mãozinha segurando firme a barra do vestido disse:
- Encontrou? Tenho certeza que encontrou! Um lugar secreto, seu esconderijo.
Abrindo um sorriso mais danado, balançou a cabeça e dizendo baixinho:
- sim...
- Não se preocupe, daremos um jeito. Logo de manhã voltaremos aqui, para arrumar seu lugar secreto.
Ambas sorriam, aquela carinha sapeca de quem aprontara. Então, sossegou o coração entristecido de outrora. Sabia, que ela lhe ajudaria.

Pela manhã as duas saíram com vassouras, paninhos e objectos para enfeitar. A pequena esbaforida, seguia arrastando a velha boneca que estava cega de um olho, a falta de tinta a deixava com aparência esquisita. Mas não se importava, eram parecidas, as esquisitas se entendiam. Tinham que dar a volta no casarão e entrar pelo buraco perto do tanque que mais parecia uma piscina. Encostando-se na parede e saindo um tanto raladas, conseguiram chegar. Rápido subiram as escadas. Animadas faxinaram, organizando cada pedaço, deixando um renda para o banco, e a janela de madeira e sua bela paisagem. Ela suspirando depois da labuta, olhou a pequena exclamando - e ficou um belo lugar secreto! Davam risada, misturando gargalhada na volta para casa.


Todos os dias descia a estrada de terra cheia de pedrinhas, trajecto dos cavalos manga larga desfilar. Era felicidade pura, alegria de brincar ali, conversar com os amigos. Aqueles que não tinham corpo, que repetiam as mesma falas, que aceitava toda e qualquer brincadeira. Aqueles de carne e osso só havia na escola, ali eram os outros, aqueles de sempre. Largando os afazeres da fazenda, ia ao encontro daquela que escondia-se o tempo todo; outrora nos matos, pomar ou no secreto lugar. Às vezes ela ia brincar de boneca com a pequena. Mas na maioria, as duas ficavam juntas, abraçadas, perto da janela olhando a paisagem. Livres de qualquer olhar, contemplavam a paisagem, respiravam fundo e sentiam aquele vento brincar. Aquele lugar era especial. Esconderijo, certo. Secreto até para ele, mas não para ela.Quem sabia? Ninguém, além delas e o velho casarão.

crédito imagem-net

2 comentários:

  1. ...eu também. E foi e não foi fujo, proteçãozinha básica. Alguns esconderijos fazem bem, renovam forças e asas!

    ResponderExcluir