terça-feira, 30 de junho de 2009

Chico + D2

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que cerca de 3.000 pessoas por dia cometem suicídio no mundo. Traduzindo, a cada três segundos alguém se mata. A cada linha que seus olhos percorrerem destas maldigitadas, uma pessoa vai colocar um ponto final na existência. Aff...

O grau de espanto aumenta ainda mais ao descobrirmos que para cada pessoa que é, digamos, “bem-sucedida” em seu intento, pelo menos outras 20 fracassam. O tema não faz parte do cardápio dos jornais sobreviventes porque acredita-se que a divulgação contribui para o aumento dos casos. Mais uma vez, a internet nos possibilita fugir dos padrões e trocar ideias com total liberdade.

Sem disposição (e estofo) para defecar regras ou dar conselhos, creio que o problema é muuuito maior e as estatísticas não conseguem abranger todas as tentativas contra a vida. Afinal, somos todos suicidas potenciais. Duvida?

Para o romancista francês Honoré de Balzac, “a resignação é um suicídio cotidiano”. Principiando pelo trampo, você é realizado profissionalmente ou pertence à laboriosa classe das prostitutas? Não há terceira opção. Ou você curte o que faz ou aluga o seu tempo por dinheiro num escambo conformista. A desvantagem em relação às mães de certos senadores é que não é possível lavar o tempo e usá-lo novamente.

Algumas pessoas se saíram bem ao trocar projetos legais por outros mais rentávei$. Um caso comumente citado é a transformação do Fausto Silva do Perdidos na Noite para o Faustão dominical. No caso dele, virar bundão ao quadrado encheu as burras (e o pavilhão retofuricular) de dinheiro. Para tantos outros, a grana envolvida é ligeiramente menor. Basta consultar o seu holerite.

Relações amorosas sem futuro também são formas institucionalizadas de suicídio. As doses são pequenas e administradas lentamente (como a velocidade dos dias), mas cadê a força para lutar? A casa vira um proscênio de encenações cotidianas, mas a produção artística assemelha-se às novelas da TV Record. Da mesa de jantar à cama (nem sempre nessa ordem), imperam os clichês modorrentos de sempre. E não adianta reclamar com o bispo...

A imperativa busca de saúde também pode ser considerada um suicídio a prestação. Afinal, quem curte a ideia de trocar uma suculenta picanha mal passada por um bife de soja acompanhado de salada de broto de alfafa? À mesa, renúncias e sacrifícios são necessários para que supostamente a gente viva um pouco mais. Que tal trocar de vez a alfafa por capim e assumir o caráter meio asinino dessas escolhas?

A decantada síndrome de Gabriela (“Eu nasci assim”) é responsável por divórcios com o espelho, numa tentativa geralmente vã de literalmente não olhar para si mesmo. Sempre me encasquetei com o fato de algumas mocinhas acima do peso terem uma coleção de correntinhas para o tornozelo. Não seria melhor colocar seus pezinhos com unhas esmaltadas em fúcsia para flanar numa esteira de vez em quando? À noite, se entopem de brigadeiro e, por vezes, não rola nem com um cabo raso. “Decidi assumir que sou uma gordelícia”, resignam-se...

Dá até medo de fazer blague com gordurinhas porque o mundo está cada vez mais dominado por patrulhas como as do governador paulista José Serra. Aliás, a expressão de higidez física e o bom humor dele são provas da inutilidade de sua cartilha. O cigarro está liberado nos anos bissextos para tabagistas cujo nome contenha simultaneamente as consoantes k, h e a sílaba “da”. Nas cantinas das escolas, coxinha (assada) de ricota com aveia para a garotada. Só falta agora os planos de saúde recusarem cobertura para quem assiste aos programas da Sonia Abrão e da Luciana Gimenez, indicadores eloquentes de perfil suicida no mais alto grau.

Lamento desfazer seu sorriso tão amarelo quanto o pintinho do Gugu. Mesmo que não tenha se enquadrado nos exemplos acima, se teve escroto de chegar até aqui, acabou de cometer um pequeno suicídio. Yes, para o vovô porra-louca Millor Fernandes, “quem mata o tempo não é assassino; é suicida”. Eu, eu, eu. Você se deu mal. =)

PS.: Para sorte (e gáudio) dos leitores, nossos encontros neste espaço vão ocorrer em ritmo de menstruação atrasada: 28 + 2. Agradeço a são Lucas a graça (quase) alcançada.

24 comentários:

  1. "A cada linha que seus olhos percorrerem destas maldigitadas, uma pessoa vai colocar um ponto final na existência"... pensei em poupar vidas e parar de ler por aí, mas foi impossível.
    Amo dizer que não sou uma das 20 que fracassaram, e que só mato meu tempo da melhor maneira possível.

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  2. Caraleo, que puta crônica Sérgio!!! Temas atuais vistos de uma forma bem leve e irônica. Gosto. Abração.

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  3. Bela crônica. Estou tentando me des-suicidar. É difícil sair do lugar comum e recusar a grana no início do mês de uma foda mensal de 20 dias com 1 hora de almoço. Felicidade é para poucos, meu caro.

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  4. Cara, só você mesmo pra pegar um tema árido (e por isso mesmo raro de se ler) e dar um trato destrutivamente delicioso ... E mais, fazer a gente pensar.

    E ao final sair revigorado pra celebrar a vida - a melhor de todas as opções.

    Valeu Pava!

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  5. Supostamente inteligente... supostamente atual supostamente politicamente correto.. mas e so mais um querendo falar o que quer sem base...

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  6. Mandou benzasso! Eu estava sem ler os posts, pois estou sem computador, e voltar com um texto ótimo desses fez com que eu quisesse ler muitos outros! Parabéns!

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  7. Q filho de uma p... esse escritor!!! HAHAHAHA!! Adorei o texto. Apesar de falar coisas já ditas, repetiu de um jeito autêntico. Parabéns.


    PS: odeio gt covarde. Não mostra a cara pq?

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  8. hahahahahahahahahaha

    nunca me senti tão parte das estatisticas antes. me sinto realmente inclusa no mundo depois de ler esse post.

    "A decantada síndrome de Gabriela (“Eu nasci assim”) é responsável por divórcios com o espelho, numa tentativa geralmente vã de literalmente não olhar para si mesmo."

    essa foi minha parte favorita, só pra constar. rs

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  9. Que bom ler este texto.Visitei uma região aqui em Portugal, Alentejo, onde é registrado o maior indice de suicídio do país nos últimos anos e desde então tento gravar um programa sobre o assunto. Foi difícil achar pessoas para falar... Mas consegui e na próxima sexta estarei gravando e vou citar seu post, ok?
    Parabéns! Muito bom mesmo!

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  10. Me inclui dentro do movimento pró-coxinhas! Uma das boas coisas da vida ao lado de sorvete comido de colher no pote e dormir agarradinho.
    Marilia

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  11. Adorei!
    Um dia, quando eu crescer, vou escrever tão bem quanto vc!
    Abraços, e sucesso!
    dnegrisolli

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  12. Adorei!
    Um dia, quando eu crescer, vou escrever tão bem quanto vc!
    Abraços, e sucesso!
    dnegrisolli

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  13. Gostei muito,muito,... leve, irônico, profundo, e, concordo de uma maneira ou de outra somos todos suícidas.
    PARABÉNS

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  14. Como não cometer suicídio? De onde tirar forças para opor-se ferrenhamente ao Grande Sistema? É aquela história: morrer é fácil. O difícil é viver...

    E viver não é só difícil como também sublime! Tá, claro que ainda que sublime, também medíocre às vezes - ao menos pra mim. Escolho alguns poucos sistemas menores, frutos do Grande, e me distraio dando uma de "revolucionário" (preguiçoso com toda certeza).

    Acordar cedo quando o corpo roga por mais 5 miseráveis minutinhos não é suicídio, é tortura crônica. É por isso que "de quando em vez" quase decido, naquele ímpeto imóvel, a virar monge...

    nããoooo... rs

    ótimo texto, cara!

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  15. Só pra constar, a Ju Cruz nasceu assim mesmo, mas ela já teve coração.

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  16. Belo texto de estréia hein ... Parabéns !!

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  17. Você é o demônio. eu sou um suicida potencial. A gente lê quase sem respirar. O ritmo é de computador, um computar perverso, tipo Hal, e a gente não pode parar para perder a crítica-piada que vem depois. A verve, o estilo, e o ácido sobre a massa de dominados, o veículo (televisivo) da praça, e certo humor-sacana encerra sem doçura um mês de muita instrospecção poética. Logo no fim do mês você nos premiou com caustico-humor capeta que exige que a gente seja "vivo" para não perder o tino. O lance da menstruação foi cruel achado, e agradeço estar vivo para ler o Pava/Pavarini que nos (des)orienta para ver no politicamente-correto a gradual perda de nossas liberdade.

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  18. Excelente texto, isto é muito verdadeiro em quase todos os seus aspectos. Faltou fizer do comportamento das pessoas no trânsito, dos motoqueiros que morrem bestamente, das pessoas que bebem e dirigem, ambos são comportamentos suicidas.

    Pena que o texto descambou para falar mal dos gordos, os leprosos da nova era. Não são suicidas também pessoas que se lesam fisicamente de tanto fazer exercício e os comportamentos anoréxicos que danificam a saúde.

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  19. "Afinal, somos todos suicidas potenciais. Duvida?"

    Não duvido nem um pouco!!!

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  20. Eu sou uma suicida em potencial.... e olha que meu potencial é muito grande!!!

    Parabéns pelo texto!

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